Família é o bem mais importante que você tem. Ou é apenas o que dizem. Você supostamente deveria apoiá-la e amá-la independente de qualquer coisa, e esse mantra falho certamente tem arruinado incontáveis vidas. Treze anos atrás, eu estaria condenada se tivesse jogado minha vida fora por uma questão de lealdade. Ainda bem que eu cortei alguns laços e comecei a construir toda a minha vida sozinha no final da minha adolescência.
O que eu quero dizer com cortar laços? É melhor dizer que há mais de dez anos eu me distanciei, e há pelo menos cinco anos não faço visitas frequentes, e estes tem sido os melhores anos da minha vida. Uma ligação a cada alguns meses é o máximo que faço. No final, não existe isso de precisarmos amar nossa família, ou melhor, não precisamos amar toda ela.
Na nossa cultura, as mães normalmente ou são idealizadas ou desrespeitadas. Não existe espaço para que as suas filhas expressem os seus autênticos, complicados, sentimentos sobre elas, sem ter que suprimi-los ou então aceitar o rótulo de filha mal agradecida. Esse falso preto e branco só serve para envergonhar ou silenciar filhos sobre a sua real experiência com seus pais e impedi-los de construir sua total individualidade quando adultos. Todo mundo fala sobre o amor incondicional de uma mãe, mas e se ele não existir?
É preciso muito para que você possa odiar sua própria mãe. Talvez ela tenha que te agredir constantemente, gritar com você diariamente, jogar coisas em você. Talvez ela tenha que semear dúvidas em você em um nível radioativo, te fazer se sentir fraca, patética, ingênua. Acredito que por isso eu não chegue a odiar minha mãe – ela precisaria ter feito algo ao invés de apenas ir embora. No final eu apenas não a amo, porém isso já é suficiente para que o resto da família se sinta indignado, porque segundo a nossa cultura, nós devemos algo aos nossos pais.
Me lembro bem de um dia ouvir uma pessoa me dizer anos atrás que o normal é que os pais se sacrifiquem totalmente para cuidar dos filhos e então quando o filho se tornar adulto, ele se torna responsável por tomar conta de todas as necessidades dos seus pais. No final não é sobre amor. É uma transação na qual um lado definiu os termos, e o outro, que nasceu sem saber das condições, é obrigado a aceitar. Claro que não há nada de errado em se ter amor, respeito e um genuíno apreço por tudo que seus pais fizeram por você, no entanto, o sentimento de dever algo aos nossos pais é algo bem diferente, e uma ilusão dolorida que pode trazer consigo um preço muito grande. Trazer alguém ao mundo não é um “favor” que depois pode ser cobrado, ou uma ferramenta de chantagem a ser usada quando alguém tiver coragem de se defender. Infelizmente nossa sociedade ainda não entendeu totalmente a existência de pais ruins, principalmente mães. As pessoas normalmente ignoram afirmações como essas com algo do tipo, “mas ela é sua mãe, mesmo assim você deveria amá-la“.
Minha mãe não é um monstro, mas já faz muito tempo desde que compreendi que ela seria incapaz de chegar perto dessa coisa que chamamos de “amor de mãe”. Não é algo calculado, está mais para consequência de nunca também ter se deparado com essa entidade, de nunca ter aprendido nada parecido, de possuir algumas limitações culturais e intelectuais. Alguns anos depois dela ir embora, quando reapareceu, tentei bancar a filha que esqueceu do passado – mais pela construção da nossa cultura do que por vontade. Tentava fingir que conversávamos quando eu a visitava, mesmo sabendo que essas conversas não iriam para lugar algum, exceto algumas vezes em que seus olhos chegavam a focar em mim e ela começava a fazer comentários passivo-agressivos sobre minhas roupas, ou meu cabelo, ou a ausência de um namorado. Até que eu parei de tentar. Às vezes me sinto mal por ela, mas eu sei as coisas ruins que a sua presença provoca em mim. Eu tenho meu próprio futuro, carreira, sonhos e outras coisas, não existe mais tempo para isso.
Observar as mães dos outros me confunde. Nenhuma delas é perfeita, mas a maioria delas tem feito um trabalho incrível. Vejo meu namorado comprar presentes para a sua mãe em datas comemorativas, conversar sobre coisas realmente importantes com ela, e me pergunto como deve ser isso. Mas eu não o invejo nem por um momento, é apenas curiosidade.
Já faz muito tempo que perdoei a ausência da minha mãe, e tenho em mim que deveríamos nos desapegar da ideia de que em seguida do perdão deve vir a reconciliação. Nem sempre vai acontecer e tudo bem. Todos os dias eu sinto minha mãe em mim, não de forma positiva. Sinto seu impulso de ter medo, de fugir. De viver em constante suspeita e desconfiança, desligada de qualquer circuito emocional. Sinto medo de que minha mente deixe de funcionar.
Mas às vezes eu olho no espelho e não apenas a sinto como a vejo. Por um lado, é agradável. Minha mãe era uma jovem linda.