A mulher

Busquei ela por volta de quatro horas da tarde.

– A luz da cozinha está ligada, a geladeira…
– Ta bom
– Mas não sei como vai ficar
– Eles que deixaram a energia da cozinha ligada?
– Sim, mas e agora não sei…
– Então deixa assim
– Mas como é pra ficar?
– Como assim? Se deixaram assim, deixamos ligado, te falaram alguma coisa?
– Então tá ligado, deixaram ligado, mas não sei se é pra deixar assim, como que fica – ela abre a geladeira para mostrar que está ligada.
– Deixa ai se deixaram assim, vamos embora
– Ta bom
– Ela pediu que eu levasse o lixo, que você sabe onde leva
– É então eu ia te perguntar onde é

Chegamos na minha casa às 17, avisei que tinha um compromisso, expliquei como usar a televisão e que ela dormiria no sofá. Entreguei as roupas de cama que separei pra ela, mostrei o que tinha para comer e sai em seguida. Voltei duas da manhã e ela estava dormindo.

No outro dia acordei às 10. Ela estava no sofá assistindo um vídeo gospel no celular. Falamos bom dia uma para a outra.

– Vou trabalhar, tem pão na cozinha se você quiser tomar café da manhã, nós não tomamos aqui. Não quer ligar a TV?
– Coloca no SBT por favor
– Para ligar é com esses botões aqui, depois nesse controle
– Ta bom. Pode deixar no SBT

Coloquei e voltei a me arrumar para sair, ela falou enquanto eu colocava meu tênis:

– Você tá indo trabalhar?
– Sim
– Você trabalha longe?

Uma fisgada na cabeça.

– Na Paulista
– Nossa

Enquanto eu tomava uma xícara de café preto antes de sair ela recomeçou:

– Você gosta de pão integral?
– Não
– Ah eu não vou conseguir comer todo esse pão que eu trouxe
– Ele não é integral, nós vamos comer também
– Ah não? Ué
– To indo, qualquer coisa me manda mensagem.
– Você também

Fiquei no trabalho até de noite, mandei mensagem para o meu marido me buscar na estação de trem e convidando para jantarmos fora, eu não queria ir para casa – uma sensação muito conhecida de vinte anos atrás. Deu certo, quando chegamos após o jantar ela já dormia. Apaguei as luzes.

Como eu NÃO queria ter nascido nos anos 80

A maioria dos filmes chamados clássicos possui uma história de amor no seu enredo central. Os filmes atuais também, mas nos tempos já idos era como se não houvesse receio de exagerar – até os filmes de Hitchcock tem a sua parcela romântica. Não consigo pensar em algo atual que seja tão bom e tão romântico quanto Casablanca, Luzes da Cidade ou Tarde Demais Para Esquecer, por isso a minha lista de filmes para assistir está cheia de “clássicos”. Quando um desses filmes da minha lista, Sixteen Candles de 1984 (traduzido terrivelmente como Gatinhas e Gatões), estreiou na Netflix, eu não via a hora de parar para assistir.

Como eu gostei bastante de Clube dos Cinco, eu realmente fiquei animada para assistir o filme de estreia do mesmo diretor, e já havia escutado e lido que Sixteen Candles foi reverenciado como um honesto retrato da cultura adolescente nos anos 80. Já eu, depois de assistir, descreveria o filme como a uma hora e meia mais desconfortável da minha vida.

O filme é centralizado em Sam, uma adolescente que está fazendo 16 anos e o aniversário é esquecido por todos da família devido ao casamento da irmã. Além desse drama, ela é apaixonada por Jake, o cara mais descolado da escola que provavelmente nem sabe que ela existe e está namorando com a garota mais descolada da escola, Caroline. O filme tem várias piadas racistas e sexistas, o que não foi o que me incomodou, já que o que é considerado razoável sempre vai mudar ao longo dos anos. O maior problema do filme é a piada recorrente sobre consentimento, ou melhor, a falta dele.

Enquanto Sam sofre por Jake, ela é perseguida por Ted, um nerd com muita auto-estima, que mesmo depois de tomar foras infinitas vezes insiste em ficar atrás dela. O filme de alguma forma espera que o expectador ria exatamente por causa da insistência do nerd frente as negativas de Sam. Até ai, tudo bem, se trata novamente de um tipo de humor ultrapassado apenas. É a partir dai que fica difícil assistir até o final. No decorrer do filme, Jake acaba notando Sam e fica interessado nela, então em uma festa ele começa a tratar mal a namorada, Caroline, que fica bêbada e desmaia no quarto dele. Ele sai e em um momento do filme comenta com Ted, o nerd, “Caroline está no quarto agora mesmo, desmaiada que nem morta. Eu poderia violentá-la de 10 formas diferentes se eu quisesse. Mas não estou mais interessado.”. Depois disso ele oferece a namorada inconsciente para Ted levá-la para casa, dizendo, “Ela está tão bebada que nem notará a diferença. Divirta-se.”. Tudo isso é tido como normal no desenvolvimento do filme, já que Caroline é uma garota superficial que “não sabe nada sobre o amor, ela só quer saber de festa”, de acordo com Jake, o namorado de longa data. No dia seguinte, Caroline acorda no carro com Ted, e os dois chegam a conclusão que transaram. O nerd pergunta para Caroline se ela gostou, e ela diz que acha que sim, e eles acabam juntos no filme. Sam termina o filme ao lado de Jake, que ainda é apresentado como o cara ideal, mesmo depois de entregar a ex-namorada bebada para outro cara. A cereja no bolo da piada recorrente sobre consentimento, é a irmã de Sam, que se casa visivelmente sob o efeito de drogas e ninguém pensa em falar com ela ou parar o casamento – toda a cerimônia acontece normalmente e essa é a piada.

O filme é horrível pelo que retrata, mas também possui grande importância histórica. Muitas vezes as mulheres são desacreditadas quando denunciam abuso sexual anos depois com a premissa: se houvesse ocorrido algo tão horrível ela teria denunciado na época. O problema é que abuso sexual nem sempre é considerado abuso sexual. Para muitas pessoas abuso sexual é quando um estranho aborda uma mulher em um beco escuro e a violenta. De acordo com essa premissa, não existe violência sexual quando se trata de pessoas que se conhecem, e acredito que essa afirmação era mais forte ainda há 30 anos atrás, quando um filme, que é considerado um clássico romântico até hoje, é um retrato tão claro da cultura de estupro vestido de comédia romântica e é reverenciado. Um filme onde o cara dos sonhos de todas as garotas é também o cara que facilita que a namorada que não o interessa mais seja abusada. É claro que o filme não deve ser condenado pelo que mostra, é apenas a foto de uma época – uma época onde o cara dos sonhos de todas as garotas é também o cara que facilita que a namorada que não o interessa mais seja abusada.

Todo mundo deveria assistir Sixteen Candles para entender o quanto uma sociedade consegue ser tão cega frente a coisas tão graves – esse é o único ponto de vista pelo qual ele deveria ser considerado um clássico.

Família é o mais importante

Família é o bem mais importante que você tem. Ou é apenas o que dizem. Você supostamente deveria apoiá-la e amá-la independente de qualquer coisa, e esse mantra falho certamente tem arruinado incontáveis vidas. Treze anos atrás, eu estaria condenada se tivesse jogado minha vida fora por uma questão de lealdade. Ainda bem que eu cortei alguns laços e comecei a construir toda a minha vida sozinha no final da minha adolescência.

O que eu quero dizer com cortar laços? É melhor dizer que há mais de dez anos eu me distanciei, e há pelo menos cinco anos não faço visitas frequentes, e estes tem sido os melhores anos da minha vida. Uma ligação a cada alguns meses é o máximo que faço. No final, não existe isso de precisarmos amar nossa família, ou melhor, não precisamos amar toda ela.

Na nossa cultura, as mães normalmente ou são idealizadas ou desrespeitadas. Não existe espaço para que as suas filhas expressem os seus autênticos, complicados, sentimentos sobre elas, sem ter que suprimi-los ou então aceitar o rótulo de filha mal agradecida. Esse falso preto e branco só serve para envergonhar ou silenciar filhos sobre a sua real experiência com seus pais e impedi-los de construir sua total individualidade quando adultos. Todo mundo fala sobre o amor incondicional de uma mãe, mas e se ele não existir?

É preciso muito para que você possa odiar sua própria mãe. Talvez ela tenha que te agredir constantemente, gritar com você diariamente, jogar coisas em você. Talvez ela tenha que semear dúvidas em você em um nível radioativo, te fazer se sentir fraca, patética, ingênua. Acredito que por isso eu não chegue a odiar minha mãe – ela precisaria ter feito algo ao invés de apenas ir embora. No final eu apenas não a amo, porém isso já é suficiente para que o resto da família se sinta indignado, porque segundo a nossa cultura, nós devemos algo aos nossos pais.

Me lembro bem de um dia ouvir uma pessoa me dizer anos atrás que o normal é que os pais se sacrifiquem totalmente para cuidar dos filhos e então quando o filho se tornar adulto, ele se torna responsável por tomar conta de todas as necessidades dos seus pais. No final não é sobre amor. É uma transação na qual um lado definiu os termos, e o outro, que nasceu sem saber das condições, é obrigado a aceitar. Claro que não há nada de errado em se ter amor, respeito e um genuíno apreço por tudo que seus pais fizeram por você, no entanto, o sentimento de dever algo aos nossos pais é algo bem diferente, e uma ilusão dolorida que pode trazer consigo um preço muito grande. Trazer alguém ao mundo não é um “favor” que depois pode ser cobrado, ou uma ferramenta de chantagem a ser usada quando alguém tiver coragem de se defender. Infelizmente nossa sociedade ainda não entendeu totalmente a existência de pais ruins, principalmente mães. As pessoas normalmente ignoram afirmações como essas com algo do tipo, “mas ela é sua mãe, mesmo assim você deveria amá-la“.

Minha mãe não é um monstro, mas já faz muito tempo desde que compreendi que ela seria incapaz de chegar perto dessa coisa que chamamos de “amor de mãe”. Não é algo calculado, está mais para consequência de nunca também ter se deparado com essa entidade, de nunca ter aprendido nada parecido, de possuir algumas limitações culturais e intelectuais. Alguns anos depois dela ir embora, quando reapareceu, tentei bancar a filha que esqueceu do passado – mais pela construção da nossa cultura do que por vontade. Tentava fingir que conversávamos quando eu a visitava, mesmo sabendo que essas conversas não iriam para lugar algum, exceto algumas vezes em que seus olhos chegavam a focar em mim e ela começava a fazer comentários passivo-agressivos sobre minhas roupas, ou meu cabelo, ou a ausência de um namorado. Até que eu parei de tentar. Às vezes me sinto mal por ela, mas eu sei as coisas ruins que a sua presença provoca em mim. Eu tenho meu próprio futuro, carreira, sonhos e outras coisas, não existe mais tempo para isso.

Observar as mães dos outros me confunde. Nenhuma delas é perfeita, mas a maioria delas tem feito um trabalho incrível. Vejo meu namorado comprar presentes para a sua mãe em datas comemorativas, conversar sobre coisas realmente importantes com ela, e me pergunto como deve ser isso. Mas eu não o invejo nem por um momento, é apenas curiosidade.

Já faz muito tempo que perdoei a ausência da minha mãe, e tenho em mim que deveríamos nos desapegar da ideia de que em seguida do perdão deve vir a reconciliação. Nem sempre vai acontecer e tudo bem. Todos os dias eu sinto minha mãe em mim, não de forma positiva. Sinto seu impulso de ter medo, de fugir. De viver em constante suspeita e desconfiança, desligada de qualquer circuito emocional. Sinto medo de que minha mente deixe de funcionar.

Mas às vezes eu olho no espelho e não apenas a sinto como a vejo. Por um lado, é agradável. Minha mãe era uma jovem linda.

the greatest

I walked into that bar as the new version of myself, so I won’t insult you with romantic promises or gestures that don’t mean anything. There will be no love of my lifes, no I can’t live without yous popping out of my mouth. There will be no always weighting on us. I once understood that promises are impossible to keep because we are so little in comparison to life and the universe. I never was a big fan of life, actually for me it will always feel like a prison, so it would be demeaning to tell you that you are a really important part of my life, but you sure make it better. Still, I will refuse to promise you forever.

Instead, I promise you now. I will drown you in I love you nows, I missed you todays, and wish you were here in this moments. I promise you I really love you in this second, I promise to give you my whole heart ― free of the past loves that have broken it, and free of the future fears of if you might break it, for now. Tell me what you would like to do right now, and we will do it, no questions asked.

Let’s go at that place we’ve already been, with other people, at another time, and you can recount your memories one by one. Let’s watch our favorite films back to back and not get out of bed at all. Let’s get drunk on each other until we fall away into sleep in each other’s arms.

The universe won’t turn itself upside down so that we can be together forever. I rather love you now than loving you forever and regret loving you at all.